Um pescador nas núvens, Lago Titicaca, Peru, 2009

Acontece muitas vezes que a visão do estrangeiro, recém chegado de um qualquer lugar distante e possuidor de um nível de vida hoje em dia traduzido naquilo que se designa por uma “pegada ecológica” muito acima da média desse país, fica muito claramente cristalizada na ideia de que as coisas devem permanecer imutáveis. Isto é, os locais devem ficar basicamente desabitados, de difícil acesso devido à falta de estradas asfaltadas, sem acomodações confortáveis para os possíveis visitantes, etc.

Confesso que esta visão me deixa profundamente irritado. Obviamente detesto a McDonaldização/Hollywoodização que está rapidamente ocorrer a nível mundial e obviamente prefiro o que ainda é diferente mas acima de tudo autêntico. Mas esta visão sobranceira e egocêntrica do “eu” que consegue arranjar forma de viver comodamente (ou colocado na sua forma mais profunda: que consegue não morrer no primeiro ano de vida, como uma parte vergonhosamente significativa dos nados-vivos da sociedade capitalista mundial e que tem acesso ao conforto que a maior parte da população nem sequer imagina), de viajar e conhecer partes remotas do mundo e que para satisfazer a sua necessidade do autêntico, tem de haver gente que tem obrigatoriamente de ficar privada das possibilidades que a técnica e a ciência trouxeram à sociedade moderna, dá-me profundo asco. Essas pessoas normalmente julgam que essa privação é boa. Boa para quem? Cabe a essas populações decidir acerca do seu próprio futuro e não obedecer ou ser obrigadas a importar qualquer tipo de visão estrangeira e mais ou menos distante da sua própria cultura. Acesso aos progressos sociais não implica forçosamente uma ruptura com uma identidade cultural. Muito pelo contrário. Veja-se por exemplo o modo como o Japão convive com as suas tradições e o avanço civilizacional. Parece absurdo achar-se que os Japoneses ficariam melhor sem os avanços tecnológicos da sociedade moderna que eles próprios ajudaram a criar, não?.

Há no entanto outras coisas que me deixam dividido. As gentes dos Andes vivem em condições físicas muito duras. O acesso às coisas mais básicas são ainda muito mais trabalhosas que noutros lados quer pelo atraso na organização e desenvolvimento social, quer pelas próprias condições geofísicas decorrentes da altitude. Aqui, o acesso a proteínas e outros nutrientes pode ser um problema.

Lago Titicaca e pressões humanas

O lago Titicaca sofre pressões semelhantes às que existem noutros locais do mundo nomeadamente as que são devidas à poluição (esgotos, mercúrio da prospecção mineira,…) e ao excesso de pesca. No entanto há outros factores, tais como a introdução de outras espécies piscícolas (directamente introduzidas ou que escaparam de viveiros). Durante a década de 40 do século passado várias variedades de truta e de pejerrey (Odontesthes bonariensis) importado da Argentina foram introduzidas directamente no lago ou em afluentes com o objectivo de aumentar a pesca comercial. O impacto desta introdução em várias espécies autóctones que se julga competirem directamente com as novas espécies ou depredarem-nas, foi enorme. Para piorar ainda toda esta situação, o  ataque de um ectoparasita na década de 80 dizimou muito peixe. Um relatório da FAO de 1994 denominado “Las Pesquerias de Aguas Continentales Frias en America Latina” tem mais detalhes. O impacto global destas acções foi de tal modo que há várias espécies de peixes que deixaram de ser vistas pelo que se julga que poderão estar extintas…

E é isto que me deixa profundamente dividido. A introdução de espécies exóticas normalmente tem profundos impactos nos ecossistemas que só conseguem ser mais global e exactamente avaliados passados vários anos. No entanto, sem esta alteração, o acesso a proteínas, ómega 3 e outros importantes nutrientes por parte das populações locais seria muito mais restrito. Antes da introdução destas espécies no Peru, a truta vinha directamente de Lima a preços elevados. Por outro lado, os peixes autóctones têm menor valor comercial provavelmente pelo seu tamanho, sabor, textura,… Estas mudanças são de tal maneira profundas que a truta tornou-se no prato do dia nos restaurantes à volta do lago Titicaca, nomeadamente em Copacabana, na Bolívia.

A foto foi tirada no regresso a Puno desde a ilha Taquile e sob um magnífico pôr-do-sol que se desvanecia sobre o lago e que iluminava o pequeno bote e o nosso barco pela popa.

 

Leave a Reply