No passado verão esteve montada na Paris Expo uma pequena exposição chamada de Lascaux à Paris mas com tanta informação e de tal beleza que me entreteve durante uma boa tarde.
Para além da maquete da gruta (afinal o seu tamanho real é menor do que julgava, apenas da ordem de 200 metros) havia bastante informação interactiva de excelente qualidade bem como um filme que nos permitia visualizar a gruta a 3D com os óculos entregues com o bilhete.
Tirando a parte informativa, o que mais me agradou foram as cinco reproduções exactas e nunca antes exibidas de locais diferentes da gruta. Periodicamente nesta sala, as pinturas eram substituídas pelos seus contornos, o que permitia chamar a atenção para algumas que dificilmente eram visíveis ao olho destreinado.
Os quatro painéis expostos nunca tinham sido reproduzidos e expostos ao público e um deles continha a única representação humana existente na gruta. Sim, eram reproduções, mas eram absolutamente soberbas. De uma beleza absolutamente inacreditável, sobretudo se pensarmos que foram criadas nos primórdios da nossa Humanidade por pessoas com o dom único de conseguir ir mais além do quotidiano e conseguir criar símbolos e representações inspirados na própria realidade. A técnica era já tão apurada que quando as figuras foram pintadas o posicionamento do observador foi tido em conta pelo artista. Há mesmo representações que são a própria base da técnica cinematográfica representando sequências temporais do posicionamento das cabeças de animais.
À excepção do inevitável fim que todos afinal temos, não sei (ninguém sabe) qual foi o destino destes caçadores-recolectores-pintores. Tinham certamente uma vida bastante diferente da nossa num mundo muito mais hostil e severo, mas talvez tenham vivido mais felizes do que muitos de nós. Se André Malraux disse que tout art est lutte contre le destin (a arte é uma revolta contra o destino) aqui fica mais uma prova muito prática, caso ela faltasse, da libertação da lei da morte por esses pintores primordiais.
Recentemente e por puro acaso tive acesso à edição de janeiro da versão portuguesa da revista da National Geographic que incluía um extenso artigo sobre as várias grutas europeias utilizadas por estes artistas primordiais. A certa altura dizia-se que grandes avanços no processo criativo só ocorreram quando as populações se situavam acima de um certo limiar e que estes saltos estavam correlacionados com aumentos populacionais. Esta relação entre número de pessoas, capacidade de satisfazer necessidades biológicas básicas permitindo libertar a mente para outras coisas menos imediatas e verdadeiro brainstorming só conseguido a certo nível populacional e de interconexões populacionais, parece-me evidente. Por mais que a queiram evitar, esta libertação da mente para tarefas menos rotineiras por toda a população parece inexorável!
Oh sr. doutor!
Na última parte da exposição, mesmo junto à saída, podia-se ouvir vários comentários de antropólogos, arqueólogos, pintores,… Era uma pequena matriz de televisores cada uma com um pequeno filme com o nome do comentador por baixo de cada ecrã. De salientar que do nome não constava nenhum “Sr”, “Prof”, “Dr”ou similares na versão feminina, quer abreviado quer por extenso (nova patética modernice portuguesa) e que no filme a pessoa apresentava-se e falava da forma mais informalmente normal: bonjour, sou fulano de tal, tenho trabalhado nisto e naquilo, estive envolvido em…, analisámos,… penso que… Num dos televisores podia-se ver e ouvir as considerações de Yves Coppens. Que frescura e que distância ao nosso provincianismo parolo!
Lascaux 4
A “Lascaux 1” é a gruta propriamente dita que teve que ser encerrada aos visitantes em 1963 devido a contaminações e alterações climáticas no seu interior provocada pela imensidão de visitantes. Foi então que foi criada a “Lascaux 2” que é uma reprodução exacta de partes da gruta numa localização próxima à original. “Lascaux 3” foi o outro nome dado à exposição de Paris e foi aí que fiquei em pulgas por saber que a “Lascaux 4” está quase concluída e será inaugurada no próximo ano de 2016 sendo uma reprodução exacta de toda a gruta. Todinha!
Nota final
A foto de entrada deste post e que inicia também esta sequência de slides pode ser comparada com a segunda em que se percebem mais figuras animais, de setas ou outras representações geométricas (de uma forma muito interessante, alguns padrões geométricos repetem-se noutras cavernas em diferentes locais do mundo, desconhecendo-se o seu significado).
[edição 16/11/2016: site da exposição já não está disponível]