Cinco primatas do efeito de Doppler, Cambridge, Inglaterra, 2010

De Cambridge, da sua universidade e da ciência aí produzida haveria muito a dizer e é por isso que vou moderar essa vontade e… and now for something completely different vou falar pela primeira vez de livros de fotografia. Escudo-me numa atitude posh muito oxbridgeana e pimba! Vou apresentar de uma forma muito sumária cinco livros de fotografia que para além de conterem fotografias de grandes mestres, são a cores. Sim, a cores! Há poucos e começaram a ser publicados apenas nos últimos anos. Destes cinco, o mais antigo é de 2007, dois foram publicados em 2010 e os outros têm menos de dois anos.

Os cinco livros são:

Cinco livros de cinco extraordinários fotógrafos e um alegre festival para os sentidos.

André Kertész

O livro mais pequeno é o de Kertész. Pequeno mesmo! Com menos de 20 cm de lado. Mas não nos deixemos enganar pelo tamanho pois Kertész foi um dos mais influentes pioneiros da fotografia, verdadeiro mentor e inspiração de inúmeros fotógrafos. Henry Cartier-Bresson fez-lhe a merecida homenagem quando disse: todos devemos algo a Kertész.
Certo dia encontrou numa loja uma peça em vidro que se assemelhava de forma muito estilizada a um busto e que lhe fez recordar a esposa já falecida. Este livro contém um dos seus trabalhos de fim de vida utilizando uma nova técnica para a época, as polaroids e utilizando peças de vidro descobertas nessa loja e outras que foi coleccionando ao longo da vida. A capacidade de efectuar variações sobre esse conjunto de objectos de vidro é absolutamente impressionante. Não só a criatividade impressiona, mas também a capacidade em conseguir dominar e levar a um nível superior um novo método de fazer fotografia. Quando questionado acerca do modo de obter tão notáveis resultado, disse:

You have to learn the limits of the medium, and then learn to work on the edges of those boundaries

É uma prova impressionante de como se podem criar fotografias extraordinárias com meios simples e literalmente à porta (neste caso, janela) de casa.

I began shooting slowly, slowly, slowly. But soon, going crazy. I worked mornings and late afternoons. With the morning light the sky is nice, and in the late afternoon, full of variation. I would come out in the morning and begin shooting, shooting, shooting; no time to eat. I discover the time has gone, and no breakfast. The same in the afternoon… I forget my medicine. Suddenly, I’m losing myself, losing pain, losing hunger, and yes, losing the sadness.

Robert Doisneau

As fotos de Doisneau foram tiradas à burguesia dos EUA que se move para Palm Springs para aí gastar a reforma entre semelhantes e por entre mordomias e a passar o tempo em festarolas, campos de golfe, partidas de ténis, desfiles de moda, andar a cavalo, jantaradas e tempo na piscina. Nas palavras de Doisneau (traduzidas na introdução de Jean-Paul Dubois):

Pools everywhere of course. Pools without dives or splashes. I remember a despondent seventy-year-old who had achieved his life’s dream: having worked with four telephones in his office, he now owned not one but two pools separated by a mirror. One for the summer and one for the winter, the latter went into the living room. His rheumatism began the day he entered the water. Sitting in his armchair in front of the azure blue mirror, he pushed rubber ducks around with a long bamboo cane.

Quando Doisneau lá esteve em 1960, Palm Springs tinha 19 campos de golfe. Em 2009 tinha 125, implantados no meio de um deserto escaldante.

People come here from afar, even the palm trees come from Mexico, and the grass seeds, which tended to disperse with the wind at night, are now fixed to the ground by a rain of glue sprayed by helicopters.

E como diz Jean-Paul Dubois na introdução,

When dinnertime came, while it was still 95 degrees on the greens [35 ºC], the women dressed themselves in otter or mink furs, the better to bear the freezing blast from the air conditioners.

As fotografias deste livro resultaram de um trabalho para a revista Fortune numa reportagem para celebrar e publicitar Palm Springs como “The World Capital of Winter Golf”. Como se percebe, tudo muito alegre, colorido e, como é costume a auto-designação, tudo “gente bonita”. Colorido, mas monocromático na origem das pessoas. Não há uma única foto que contenha alguém de origem africana, hispânica ou aborígene (índios Cahuilla). Estranha reportagem para um fotógrafo francês, humanista e do nível de Doisneau que teve que ir trabalhar para um local que era o oposto do que sempre foi e que provavelmente desprezava:

I feel as if I belong to another age, like a Louis XV armchair in an airfield or a cello in front of the Life building.

Sim! Doisneau pertencia a uma outra era, mas ao futuro, não ao passado! Tudo isto mostra o verdadeiro nível profissional de Doisneau. Num ambiente estranho intrinsecamente oposto ao seu, conseguiu produzir uma reportagem ao nível das que tinha produzido a preto-e-branco no seu próprio ambiente. Sarcasticamente disse:

I have been introduced to millionaire golf-players as “Robert-from-Paris”… I will have contacts in oil, cinema, and the automobile industry.

Jacques Henri Lartigue

O livro de Lartigue é da exposição deste ano na Maison Européenne de la Photographie, em Paris. Lartigue nasceu e cresceu na alta burguesia francesa. Desde muito novo, no início do século XX, começou a fotografar a família, seus amigos e actividades físicas, culturais e costumes da época. Tentou a fotografia a cores logo também muito cedo. Os seus primeiros autocromos datam de 1912 e vão até à década de 60. Repare-se que o processo começou apenas a ser comercializado em 1907 e era óbviamente dispendioso. As cores das fotos deste livro são absolutamente sublimes!

Edward Steichen

O livro de Steichen contém fotos ainda mais antigas do que as de Lartigue, começando mesmo na primeira década do séc. XX. As suas origens na fotografia de moda, bem como de fotografia de estúdio e de retratos é bem saliente na escolha das fotos deste livro. Muitos dos grandes mestres recusaram-se a fotografar a cores porque a técnica quer de registo químico da cor, quer de durabilidade, alcance dinâmico e fidelidade eram muito precárias e deficientes. Se compararmos as fotografias deste livro com as de Lartigue este problema é muito evidente. As fotos mais recentes de Steichen neste livro foram tiradas em 1940 e se as compararmos com as da década de 60 quer de Lartigue quer de Doisneau, a diferença é óbvia nomeadamente pelo muito mais reduzido alcance dinâmico das imagens.

Robert Capa

O livro de Capa é de uma exposição no International Center of Photography e tem fotografias do grande fotojornalista durante a II Grande Guerra e um pouco por todo o mundo, desde a URSS, Hungria, Israel, Alpes, Paris, Roma, Noruega, Indochina. Cobre ainda o jet-set em Deauville e Biarritz e a geração X (termo por ele inventado). A diversidade de locais, temas e situações reflete-se na imensa variedade entre capítulos do livro e entre as fotos. É profusamente ilustrado com páginas de revistas onde as fotos foram publicadas e, a cores ou não, parte delas são fotos e reportagens que raramente aparecem em livros recentes. Em concreto, quer a reportagem efectuada na URSS em que foi acompanhado pelo escritor estadounidense John Steinbeck ou a de Israel que depois ilustrou um livro do escritor Irwin Shaw, há muito não são editadas. Neste momento apenas se consegue o livro de Steinbeck, A Russian Journal. Voltarei a este livro de Capa para uma melhor e muito mais interessante análise nomeadamente do capítulo da URSS. Bem o merece!

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