O museu Städel que porta o nome do banqueiro Johann Friedrich Städel que o fundou após legado testamentário de 1815, é um dos mais importantes da Alemanha e fica em Frankfurt. O banqueiro deixou para a sede de um museu a ser criado, a sua casa e toda a sua coleção de arte. Deixou ainda a totalidade da sua fortuna para a manutenção dos propósitos do museu como galeria de arte e formação de novos artistas. No ano passado, tive a oportunidade de, na comemoração dos seus 200 anos, apreciar uma excepcional exposição temporária compostas por uma centena de obras de impressionistas provenientes do Städel, do Musée d’Orsay de Paris, do New York Metropolitan Museum of Art, da National Gallery de Londres e designada de “Monet e o nascimento do Impressionismo”.
“E o vento cala a desgraça, o vento nada me diz”
Em 2004, após a morte de António de Sommer Champalimaud, este deixou 25% da sua fortuna a uma fundação a ser criada para a investigação inicialmente pensada na área das doenças oculares mas que acabou por ser de investigação biomédica de âmbito mais geral (em particular doenças oncológicas e neurociências). Ficou a presidi-la Leonor Beleza, Conselheira de Estado e, saliente-se por relevância das ligações das fundações com o poder, antiga ministra da saúde. Em Portugal e mais uma vez, quer na Ciência quer na Cultura parece não haver pessoas suficientemente conhecedoras, esclarecidas e com conhecimentos técnicos para conseguir gerir aquilo que mais lhes diz respeito e que dominam.
Quanto à coleção de arte reunida por Champalimaud durante a sua vida, esta saiu do país para ser vendida pela Christie’s em Londres e rendeu 57.3 milhões de euros (à fundação e família). Segundo os jornais e para a leiloeira, foi “o segundo melhor leilão de uma colecção particular na Europa” logo atrás da de Albert Rothschild.
Isto leva-me a algumas considerações gerais, sem sequer discutir questões éticas de tais acumulações de riqueza e suas implicações para a sociedade:
a) Primeiro, que só um país com miseráveis representantes no seu governo deixa sair do país uma tão importante colecção de arte.
b) A fundação, cujos benefícios serão maioritariamente sempre privados e desenvolvidos com base nos seus iniciais 500 milhões de euros, tem acesso a fundos públicos em competição directa com outros centros de investigação do Estado mas que não têm este suporte privado por trás. Isto coloca estes últimos numa situação de concorrência absolutamente desleal e o igual acesso, à partida, fica completamente destruído.
c) É realizado na televisão pública um programa designado de “Prós e Contras” mas que é mais conhecido por “Prós e Prós” e que, pasme-se, é gravado num anfiteatro da referida fundação. Independentemente da TV pública pagar ou não para aí realizar o programa, há pelo menos uma contrapartida que reverte num benefício em publicidade. Com a situação de gravíssimo sub-financiamento que os sucessivos governos (PS, PSD, PSD+CDS) têm aprovado nos seus orçamentos para as universidades públicas, é um absoluto escândalo que este programa continue a ser gravado quase exclusivamente numa fundação privada.
O geógrafo de Vermeer
A foto foi tirada no Städel em frente de um quadro de 1669 do grande mestre Johannes Vermeer chamado de “O Geógrafo”. É um quadro absolutamente extraordinário. A expressão do geógrafo, a luz, o detalhe e os vários símbolos presentes no quadro são em si uma imensa história e um imenso fascínio. A primeira vez que vi uma reprodução deste quadro foi quando, ainda estudante de licenciatura, fui assistir a um concerto produzido pelo antecessor do “Musica Aeterna” da antena 2 e que se chamava “Em Órbita”. Este quadro ilustrava a capa do programa. Já agora e para matar saudades, o genérico do Em Órbita era extraído do quarto e último andamento do concerto para dois chalumeaux, cordas e baixo contínuo de Telemann e semanalmente repetido e interpretado pelo saudoso agrupamento Musica Antiga de Colónia dirigido por Reinhard Goebel.