Que fazer? Que fazer quando se tem várias horas de espera num aeroporto? Que fazer quando se regressa da Suécia, se tem várias horas numa escala no aeroporto de Frankfurt e se vem completamente acelerado pela quantidade de luz que se apanhou durante a estadia em Gotemburgo? Lê-se um bocado e fotografam-se as pessoas em transito…
“O princípio/ The beginning”
No ano passado foi publicado pela ESAD um livro bilingue português-inglês do fotógrafo Daniel Rodrigues com o título O princípio/ The beginning.
O livro tem dez capítulos, cada um correspondendo a uma reportagem concreta. Começa com futebol na Guiné-Bissau e acaba na Indochina. Pelo meio tem um capítulo com retratos de guineenses, outro acerca de uma tribo de índios da Amazónia, os Awá Guajá. O capítulo rapa de bestas mostra a captura de cavalos selvagens galegos, há um outro acerca d’o terceiro género, passando ainda por mostrar fotografias do Porto, de várias ilhas dos Açores e o outro lado do futebol no campeonato do mundo de 2014.
É um magnífico livro de capa dura, de grande formato, com fotografias de grande nível, ao melhor do que se faz de melhor em todo o mundo e com óptima impressão.
Como português exemplar, sujeito às típicas condições do país, Daniel Rodrigues teve um início atribulado. Ganhou o prémio enquanto desempregado e teve até que vender a máquina para poder viver. No entanto dava imediatamente para ver a grande qualidade do Daniel enquanto fotojornalista pela foto que lhe deu o prémio da World Press Photo, na categoria daily life. Este livro vem apenas confirmar o que dava para suspeitar apenas por aquela foto. Qualquer pessoa se tirar muitas fotos acabará mais cedo ou mais tarde por tirar pelo menos uma entre o aceitável a boa. No entanto uma das coisas que distingue um profissional do entusiasta é a consistência e por conseguinte a qualidade de resultados.
Há no entanto outras qualidades que distinguem o bom fotojornalista das outras pessoas. A capacidade de mostrar o belo no comum, isto é, de acrescentar o extra ao ordinário e a capacidade de, dando-se às pessoas, conseguir tirar delas fotografias extraordinárias. Estas são duas delas.
Dois dos capítulos são com fotografias da Guiné-Bissau. A minha primeira experiência de África foi também com este país. Dizer que é um dos últimos na tabela do índice de desenvolvimento humano da ONU é referir uma escala para a qual somos normalmente incapazes de associar e percepcionar as inerentes e tremendas dificuldades diárias de se viver num tal ponto dessa tabela. As coisas mais básicas que deveriam ser asseguradas pelo Estado e que permitem que as pessoas se libertem enquanto sociedade para se livrar da pobreza não estão asseguradas. Quando cheguei a Bissau, não havia iluminação pública, rede de saneamento e água, rede eléctrica, rede pública de transportes, etc. Qualquer coisa que se pense que o estado assegura num país desenvolvido o mais provável é não existir de todo ou de forma muito incipiente em Bissau ou em qualquer outro país a nível semelhante da tal tabela.
É por isto e porque esta descrição se traduz num aperto do coração para o qual é preciso estar preparado e para o qual eu não estava que permitem apreciar o grande nível não só técnico, mas sobretudo artístico do Daniel, mas também e em muito a grande capacidade profissional do Daniel de conseguir fotos em circunstâncias humanamente muito peculiares e difíceis. Outra situação semelhante é a que ele consegue no capítulo acerca dos transexuais tailandeses.
Se este é o princípio, fica-se a saber que a continuação só pode continuar a ser brilhante. Como dizem os franceses: chapeau!